Eu sou mesmo assim: penso demasiado nas coisas, traço o pior dos cenários, mas depois tenho medo de falar sobre o que me apoquenta a alma, porque alimento uma forma qualquer de pensamento mágico que me faz acreditar que, se verbalizar os meus medos, as coisas acabam por ter maior probabilidade de vir a acontecer.
Nada a fazer. Quando algo me preocupa verdadeiramente, estou condenada a sofrer em silêncio, a guardar tudo para mim e a não dar hipótese a ninguém de, racionalmente, desconstruir os meus receios.
Em Dezembro, quando nada o fazia prever, fiz uns exames médicos de rotina que denunciaram suspeitas de um problema de saúde grave. O meu mundo desabou, mesmo nas vésperas de Natal. Chorei, deprimi, deixei de pensar a longo prazo e de fazer planos, tal o meu medo de morrer. Foi um verdadeiro pesadelo.
Vasculhei a Internet, à procura de informação, e o que li alarmou-me ainda mais. Vi muitos casos de co-morbilidade entre a minha provável doença e outras ainda piores , pelo que, desde então, o meu maior medo deixou de ser a principal suspeita do médico, mas antes a minha própria.
Fui imediatamente remetida para a especialidade em causa, que me obrigou a passar por uma bateria muito extensa de análises, ecografias e outros procedimentos de nomes complicados e de resultados muito demorados.
Nas últimas semanas, tinha vindo a ficar progressivamente mais ansiosa e irritável, mas no dia em que fui finalmente saber o resultado desses exames, a coisa atingiu níveis susceptíveis de desencadear um ataque cardíaco. Sentia um nó na garganta, que mal me deixava respirar; tinha o coração apertado, esmagado contra o peito, a bater descompassado; não conseguia comer nada; tremia por todos os lados; era incapaz de me concentrar no que quer que fosse...
Já na sala de espera do hospital, com os meus cinco sentidos mais alerta do que nunca, tudo me parecia ser sinal de más notícias: a auxiliar que foi simpática comigo, porque já sabia que eu estava em fase terminal; os médicos que vi entrar em grupo, que na minha imaginação se iriam reunir para analisar o meu caso e juntos me tentarem salvar... Sinceramente, não sei como aguentei tanto nervosismo.
Quando finalmente ouvi chamar o meu nome, as minhas pernas pareciam gelatina. Tentei, mentalmente, rezar um último Pai Nosso, mas, inexplicavelmente, tinha-me esquecido de como se fazia. Apertei com força a mão da minha Mãe, e entrei no consultório.
Lá dentro, não consegui sequer olhar para a médica. Fitei os meus olhos no chão, enquanto ela via os meus exames, à espera de ouvir o pior. Quando ela pronunciou o nome da minha doença, desatei num pranto. Não que a notícia me tivesse apanhado desprevenida, porque tive vários meses para me habituar à ideia e já estava resignada, mas antes porque o meu maior temor era relativo a uma complicação mais grave que, felizmente, não se verificou.
Foram lágrimas de felicidade, o exteriorizar das emoções que há muito tentava esconder, a descompressão de toda a tensão que tinha vindo a viver.
A médica foi super querida comigo, e descobri até que era irmã de um colega meu de faculdade. Foi extremamente empática e atenciosa, ficou cerca de uma hora a acalmar-me, a esclarecer as minhas dúvidas. Saí do hospital com um novo ânimo.
Porque eu sou mesmo assim: a partir do momento que sei o que tenho e que há hipótese de tudo se resover, deixo de lamentar a minha sorte e passo logo a ver o copo meio-cheio. Não me prendo à retórica do "Porquê a mim?", não é assim que eu funciono. Eu respiro fundo, sorrio e dou graças aos céus por não ser uma coisa pior. No meio do azar, acabo por achar que tenho sorte e que, mais uma vez, tive os anjos a proteger-me.