Pelos telejornais, vi a loucura em que se transformou a venda dos bilhetes para o concerto dos U2, concerto esse que só terá lugar daqui a um ano. Pessoalmente, não é banda que me atraia muito. Gosto de uma ou outra música, aprecio a forma inteligente como têm sabido gerir a sua carreira, a filantropia do Bono Vox, mas não os admiro ao ponto de ter sequer ponderado a hipótese de ir vê-los.
No entanto, esta antecipação toda deixou-me a pensar, porque mesmo que fosse uma banda do meu agrado, neste momento eu não poderia fazer planos para ir a um concerto daqui a um ano.
Creio que já uma ou outra vez deixei aqui escapar que padeço de um problema de saúde potencialmente grave, mortal, até. Não interessa falar muito dele, apenas dizer que as suspeitas chegaram em vésperas do Natal passado, nuns exames de rotina, e que a confirmação chegou uns dias depois, ainda antes do ano novo. Na altura fiquei de rastos, o meu mundo desmoronou por completo. Desde então, tenho vindo a habituar-me à ideia de que tenho esta doença, de que ela está sempre comigo, a habituar-me a todo um novo auto-conceito, a interiorizar aos pouquinhos que o futuro pode não vir a ser exactamente como eu o tinha imaginado.
Não tem sido fácil, mas apesar de tudo, para já, não é um problema que me dê sintomas, ou que interfira com o meu quotidiano. Em dias bons, até me esqueço que o tenho e volto a ser uma rapariga normal de 26 anos. Mas há outros dias em que ele não me sai do pensamento, em que me pesa pensar nas complicações todas que posso vir a ter, em que me revolta sentir-me saudável e não o ser, em que me sinto injustiçada com a sorte que me calhou.
A partir do momento em que fui disgnosticada, tenho vindo a ser estudada e acompanhada por uma equipa de especialistas. Fiz vários exames (e alguns deles bem dolorosos) e passei a ter consultas periódicas para monitorizar a evolução da doença, que, ao que parece, ainda se encontra numa fase inicial. Em teoria, posso viver a vida toda sem que ela se manifeste, sem que ela se desenvolva mais. Podemos conviver e coexistir por muitos anos. Mas nada garante que ela não se venha a agravar, que de um momento para o outro não me traga todas as complicações que eu tanto temo...
O tratamento para este meu problema é extremamente violento e tem uma série de efeitos secundários que fazem com que os médicos analisem cautelosamente cada caso antes de o proporem aos pacientes: complicações cardíacas, renais, anemias, queda de cabelo, perda de peso, vómitos, dores em todo o corpo, febre... Pode ser bastante incapacitante e mesmo assim não há garantias de cura.
Por isso mesmo, e tendo em conta a minha situação actual, que é estável, não estava a contar ter de o fazer tão cedo. Esperava continuar a ser vigiada de perto, a estar atenta aos alertas do meu organismo, para detectar precocemente alguma alteração; esperava aguentar mais uns anos assim, adiar o sofrimento para mais tarde, quando já tivesse integrado melhor todo este rebuliço de emoções em que se transformou a minha vida. Mas na quinta-feira, quando fui a mais uma consulta, foi-me proposto começar o tratamento já.
Em reunião de equipa, quase todos os especialistas da área acharam que o melhor seria eu ser submetida agora ao tratamento. A minha idade e o facto de a doença não estar ainda numa fase muito avançada foram os argumentos apontados para sustentar esta posição, uma vez que são dois preditores do sucesso da intervenção.
Não estava preparada para isto, não estava mesmo. Mas decidi que vou seguir a opinião dos médicos. Não vou começar imediatamente, porque no mês que vem vou precisar de prestar apoio à minha mãe, que vai ser operada, mas assim que ela se reestabelecer, provavelmente ainda antes do Natal, irei dar início àquela que será a maior batalha da minha vida até ao momento.
Se estou assustada? Muito! Quanto mais leio sobre a medicação que me vão administrar, mais medo tenho, mas quero lutar com todas as minhas forças, não quero que seja a doença a mandar em mim, a decidir se vai ou não destruir-me. Eu quero antecipar-me, quero ser a primeira a tentar derrotá-la. E se não o conseguir, pelo menos saberei que fiz tudo o que estava ao meu alcance, que não cruzei os braços.
Daqui a um ano, quando os U2 vierem a Portugal, não sei como estarei. Não sei como vou reagir ao veneno com que me vão medicar, não sei quais daqueles efeitos secundários me irão afectar. Daqui a um ano talvez não tenha sequer forças para continuar a trabalhar, talvez esteja demasiado debilitada para conseguir sair de casa... Por isso não posso comprar bilhetes para concertos, nem planear viagens. O único projecto que me posso permitir ter neste momento, é o de vencer esta doença.
E se em 2010, quando os U2 entrarem em palco luso, eu continuar a fazer o tratamento, por muito mal que eu esteja, isso por si só já será uma vitória. Mas acredito que terei outras, acredito que vou conseguir mesmo ficar curada e que depois do sofrimento se vão seguir muitas alegrias. Tenho esperança de que isto não seja em vão.